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  • juliafeldens

15/02/2024

Entendi que preciso ter muito cuidado com o que desejo. Quando o encontrei pela primeira vez, olhei pra ele e, com a certeza de quem não viveu muitas coisas, lhe pedi que trouxesse a rua pra dentro de casa. “O que quero de vc é a rua”, eu disse. E ele trouxe! Eu tive uma mostra dela: do caos e da loucura, da beleza e da feiura. Ingênua eu. Neste um ano que ele viveu comigo tomei vários tapas na cara. Varias vezes me constrangi ao tomar distância e perceber minha própria ingenuidade. Meu corpo ocupa o espaço de outra forma e percebo tudo de outro jeito, meu corpo é frágil e evita o confronto e o conflito porque o teme, e o teme por desconhecer bastante esse outro lado da moeda. Meu corpo não viveu nem se moldou no caos, no grito. Nasci num sitio e numa família que falava manso comigo porque percebia minha delicadeza, me elogiava e cantava para mim dormir. Como me deparar e conviver com outro corpo que se moldou no avesso sem olhar equivocadamente para esse outro mundo que ele ocupa? Me senti envergonhada varias vezes, me senti boba, idiota, inocente, ignorante, "otária" como ele diria. Sim certamente sou, não consigo entender teu mundo, não tenho teus olhos para olhá-lo, não consigo ver. Sou uma otária mesmo. Boba em achar que o amor e o afeto é sentido da mesma forma no meu mundo e no seu. Não é. Dar afeto não é algo inofensivo e nem sempre é uma coisa boa. As vezes é rememorar uma dor porque o afeto, em alguns casos, significa e revela uma falta. Acolher alguém é algo complexo e as vezes pode gerar mais dor.

 

Me perguntavam qual era o lado ruim da casa, eu não sabia dizer. Eu não tinha sentido ainda todas as formas de afecções possíveis. Ele me fez sentir, foi um divisor de águas.

No começo me perguntava como poderia cuidá-lo, depois entendi que ele não precisava de cuidados, não desse que eu imaginava que ele precisasse. Mas hoje me deparo de novo com a primeira pergunta. Claro, todos precisam de cuidados. Cuidar de todos me fez descobrir que eu mesma preciso de cuidados. Mas como descobrir o que o outro precisa, como saber como cuidar? Com que intensidade devo cuidar? Isso tem a ver com o amor pelo outro ou tem a ver com o amor por si próprio?







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